Voyerismo urbano

Posted on 8/24/2008 by UNITED PHOTO PRESS

Jussara Correia registra situações ignoradas pelo olhar cotidiano na Exposição Rotativa, que será aberta hoje no Centro Dragão do Mar. Dois coelhos namoram na escuridão noturna. Uma mulher perambula numa estação de trem ao encontro do nada. A escultura de um herói experimenta movimentos. Cenas prosaicas, porém banais, ganham traços incomuns sob o olhar da artista visual cearense Jussara Correia, 43. Por meio de videoarte e fotografias digitais, situações ignoradas pelo olho humano, objetos mínimos, pequenos animais e brinquedos ganham novos significados, sem perder a delicadeza e a fragilidade. O registro desse cotidiano reinventado está na exposição Rotativa, que entra em cartaz hoje, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar, dentro o projeto Acampamento. A mostra é composta por um total de nove trabalhos, entre vídeos e fotografias, na maioria, inéditos. Todos fazem parte de uma pesquisa que Jussara vem desenvolvendo desde 2003, quando realizou o seu primeiro vídeo, intitulado O Pássaro sobre o Relógio. "Eu costurei essa mostra com a proposta de ser uma exposição silenciosa. Eu procurei retratar a solidão urbana, o tédio dos grandes centros urbanos e até também um certo voyerismo e um humor quando eu utilizo brinquedos que tomam proporções reais e movimentos do humano. E, na mesma linha de pesquisa, eu faço colagens com vídeo com esculturas que parecem estabelecer um diálogo silencioso com os tempos dilatados, fazendo conexões com espaços atemporais", explica a artista, em entrevista por telefone. Esta é a segunda exposição individual de Jussara, que é considerada destaque entre os novos nomes da arte experimental cearense. A primeira mostra solo foi De Quanta Terra Necessita um Homem?, no ano passado, no Centro Cultural Banco do Nordeste, em Fortaleza. Alguns dos vídeos de Rotativa foram feitos, entre 2005 e 2007, numa viagem da artista às cidades de Roma, Florença e Milão, como é o caso de E se eu Fosse Melquíades? e Quando eu caí do Meu Cavalo Branco, onde se vêem esculturas de uma conhecida praça italiana. "A obra da Jussara tem uma peculiaridade. Ela usa meios muito econômicos, geralmente são vídeos de uma tomada só. Ela é muito precisa nessas escolhas, nesses cortes que ela faz na realidade, no cotidiano", explica o curador da exposição e diretor do MAC, José Guedes. "Com um olhar super vivo e expressivo e elementos mínimos, ela consegue uma carga muito forte de emoção. Sem muito artifício", completa. Em Rotativa, as narrativas têm um tempo próprio, mais longo que aquele percebido no dia-a-dia. Essa dilatação do ritmo sugere um efeito de vídeo-pintura em algumas das seqüências. É o caso do vídeo O Pássaro sobre o Relógio, o mais longo da mostra, com mais de 30 minutos de duração. Cavalos em miniatura Entre as obras apresentadas, o vídeo De Quanta Terra Necessita o Homem? mostra o encontro noturno de dois coelhos numa cidade. Animais são personagens de outros vídeos de Jussara. Ela consegue humanizá-los com ambientes e elementos que os colocam como num filme, numa situação dramática. É assim com a lagartixa protagonista de Palco Aberto. No vídeo Quarto-Ato está o vouyerismo do qual fala Jussara. A câmera observa a movimentação de moradores através das janelas de um prédio. Enquanto uma mulher se recolhe num quarto, um homem solta balões de gás em formato de borboletas pela cozinha. Nos dois vídeos intitulados Rotativa, há o solitário embarque e desembarque numa estação de trem. Por fim, o lúdico e o imaginário infantil estão na série fotográfica Eles vieram da América, que traz cavalos de brinquedo em miniatura em uma ponte italiana. Nascida em Barbalha no Cariri, Jussara graduou-se em Artes Visuais pela Faculdade Integrada da Grande Fortaleza (FGF). Começou o trabalho em artes visuais ao 38 anos de idade, em Fortaleza. Expôs pela primeira vez na VI Mostra de Arte do Cariri, em 2003, participando novamente da mostra no ano seguinte. Ainda em 2004 levou seu trabalho a exposições coletivas no Maranhão e na Alemanha, e, de volta ao Ceará, participou de mostras no Museu de Arte da Universidade Federal do Ceará (Mauc), em Fortaleza, e no Salão Sobral, no interior do estado. Jussara foi premiada no Rumos Itaú Cultural em 2006. Ainda nesse ano, voltou a expor na Alemanha. Em 2007, participou de mostras em São Paulo e Fortaleza. O Centro Cultural Banco do Nordeste divulgou o trabalho da artista em Fortaleza e em Belém, no Pará. A mostra exposição Rotativa, no MAC, fica em cartaz até 14 de setembro. SERVIÇO Exposição Rotativa - Abertura hoje (22), às 19 horas, no Museu de Arte Contemporânea do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (Rua Dragão do Mar, 81 - Praia de Iracema). Entrada gratuita. Na ocasião, haverá apresentação da banda Os Gardenetes, criada na ocasião do Festival Ecos de 68, que aconteceu em maio deste ano na UFC. Visitas de terça a quinta, das 9h às 19h (acesso até às 18h30min) e de sexta a domingo, das 14h às 21h (acesso até às 20h30min). Informações: 3488 8622. E-MAIS A videoarte foi uma linguagem desenvolvida a partir de inovações da tecnologia aproveitadas em usos expressivos e subjetivos. Nam June Paik, artista sul-coreano conhecido por aproximar arte e telecomunicação, é apontado como o criador dessa linguagem, iniciada em 1963 com sua obra TV Magnet. É possível ver os vídeos de Jussara Correia no site oficial (http://www.jussaracorreia.com/), entre eles, Sem vestes (2005, 2min14), que mostra um berço vazio dependurado numa parede. Coberto com um véu, nele está inscrito uma data de nascimento e outra de morte. Há ainda as sequências de fotografias digitais O Sol, a lua, a estrela (2007). Numa delas, um corcel preto em miniatura (do tipo playmobil), amarrado por uma corda, corre em círculo até libertar-se pelas areias da praia. Em outra sequência com o mesmo título, um bebê de brinquedo "dorme" abandonado dentro de uma carroça. A mostra Rotativa faz parte do projeto Acampamento, do Museu de Arte Contemporânea, que visa apresentar ao público uma mostra da produção de artistas nacionais e internacionais surgidos no cenário artístico do início do século XXI.